domingo, 30 de dezembro de 2007

O quarto

O anúncio no jornal pareceu tão tentador quanto omisso: "Aluga-se quarto a estudantes junto à Faculdade de Engenharia." Tocou à campainha que soou estridente e acordou o silêncio que fluía para a rua. Aos poucos ouviu passos curtos, mas arrastados. Vida de estudante é pior que a de caracol. Anda-se sempre de casa às costas... mas sem casa! Caído de pára-quedas noutra cidade, o noutro país, o estudante é presa fácil para quem arrenda quartos e vive disso.

Pelo menos 6 décadas pesavam naquele rosto enrugado e triste, que encimava o corpo franzino agasalhado por um robe de tecido bastante grosso. O cabelo apanhado em desalinho denotava despreocupação com a imagem. Convidado a entrar, depois de dizer ao que ia, reparou que ao percorrer o sombrio corredor estilo curva contra curva, em todos as esquinas havia um espelho.

Desembocou numa sala ampla. A mobília não combinava como se tivesse sido escolhida às escuras.
"Bem, rapaz, aqui é a sala. Ali ao fundo, naquela porta tem a sanita. Os quartos são lá em cima" disse ela olhando-o nos olhos com um ar meio enfadado como se estivesse a fazer um grande sacrifício!
Mentalmente torceu o nariz ao imaginar ter de descer a meio da noite para ir ao WC que tinha seguramente menos de dois metros quadrados e onde só havia mesmo uma sanita.
Subiram as escadas de madeira que rangia a cada passo. Um corredor estreito e melhor iluminado por duas clarabóias apresentava três portas. Entraram na da esquerda e a voz dela voltou a soar: "Aqui é o quarto. A cama é de casal e é por isso que alugo o quarto a dois estudantes, rapazes de preferência. Aqui no guarda-fatos divide-se o espaço em dois incluindo o gavetão. Como vê tem uma ripa de madeira a meio para não haver problemas. Não trato de roupa de cama."

Aquilo era surrealista: cama a dividir com um estranho? Gavetão com ripa de madeira? Andaram os dois metros que separavam as duas portas e entraram na casa de banho (sem sanita): "Aqui tem o cilindro. Tem direito a dois banhos por semana. Diga-me sempre quando quer tomar banho para eu poder ligá-lo."

Foi a gota de água e de paciência! Quase a raiar os maus modos o rapaz agradeceu, despediu-se e desapareceu na multidão pensando que apesar da urgência, outra coisa bem melhor se com certeza! Poderia ficar longe, mas ali e assim, não viveria!

3 comentários:

Anônimo disse...

Existe ainda uma certa espécie de senhorios que pensam que para os jovens tudo serve e que acima de tudo a tão desejada ida para a universidade lhes tira a inteligencia e que os façam pagar muito por um quarto que não tem condições nenhumas.
Felizmente não tive esse azar, fiquei na universidade da minha cidade, mas vivi através de amigos algumas histórias bem engraçadas. A solução usualmente era um grupo de amigos coesos alugar um apartamento, pagavam um pouquinho mais, mas ganhavam em outras coisas.

Anônimo disse...

Surreal é realmente a palavra certa!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.