sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Os portáteis do nosso contentamento.

Ontem sentei-me mais uma vez com os meus pais a ver televisão. Antes da novela e enquanto comíamos, a tv da cozinha mostrava imagens do Telejornal. Man, foi bué fixe ver não sei quantos ministros e secretários de estado a distribuir computadores portáteis por todo Portugal. O meu pai disse que "Podemos ser um país atrasado e de parolos, mas que no estrangeiro ninguém se poderia gabar de receber um portátil das mãos de um ministro." A minha mãe que controla o guito cá em casa disse "Isto é que deve ter sido um fartote em ajudas de custo, gasolina, almoço, etc., para que por todo o país e à mesma hora se consumasse esta grande operação de marketing governamental." Não percebi nada, conversa de cotas é assim, às vezes "falam, falam, falam e não dizem nada"! A minha avó disse que estava aliviada porque "Por breves minutos e à conta dos telejornais, até nos esquecemos de que estamos em guerra com o Reino Unido por causa do caso Maddie!"
Eu estive na escola hoje. Fomos chamados porque ia lá o ministro da Agricultura. Pensei: "será que nos vai mandar cavar batatas nas traseiras da escola?". Afinal ia entregar portáteis. Não me apetecia ir, preferia ficar em casa a relaxar e a curtir o jogo novo que o meu velhote me comprou, "Grand Tefth Auto - Vice City." é curtido porque quanto mais mafioso mais se ganha! Eu não jogo muito, aliás à frente até tem um sinal a vermelho com um "18", o que quer dizer que não se pode jogar mais de 18 horas seguidas ou começamos a bater mal e eu nunca ultrapasso o limite. A minha irmã que só tem 5 e é mais nova do que eu 8 anos também tem alguns jogos onde aparece "3", mas para mim os dela são seca. Nunca morre ninguém.
Bem, eu dizia que tinha ido à escola. O meu pai disse-me para me portar bem, para não andar a partir vidros nem bater nos colegas porque poderia ser filmado pela RTP e depois ainda me punham num internato. Consegui aparecer na tv. Os meus colegas de turma não, porque apesa de estar no 5º ano sou o maior da sala porque já chumbei 3 vezes e por isso juntei-me ao pessoal do 10º e passei despercebido.
Bem, um chavalo do 10º disse que quando recebeu o portátil o ministro da Agricultura dize-lhe:"Meu caro amigo, agora pode navegar e pesquisar informação sobre a localização de explorações de milho transgénico que existem no nosso país. Ele fartou-se de rir! "Milho? Só se fosse de pipoca enquanto saco umas músicas da net para o meu MP3 novo!"
À noite, e como todos os ministros falavam sempre que se aproximava alguém, o meu cota pôs-se a imaginar o que teriam dito: o da Saúde garantiu que os portáteis vêm livres de qualquer vírus; o da Administração Interna afiançou que não haveria problema com entradas ilegais de software; o da Defesa confirmou que a firewall instalada daria conta de qualquer tentativa de invasão; o da justiça jurou que este era a melhor proposta do mercado; o da economia confirmou que o modelo escolhido é o que mais autonomia possui por gastar menos bateria; o dos Assuntos Parlamentares informou que assim seria mais fácil encontrar significado para os insultos e asneiras que se dizem na Assembleia da República; o das Obras Públicas reforçou que com um portátil destes se poderia perceber melhor como está o país a crescer; quanto à ministra da Educação, bem, o meu pai não me disse. Os meus pais não me deixam ver programas para adultos e com bolinha, a não ser alguns filmes.
O meu avô é que achou estranho "que ao longo de tantos anos se tenha pedido melhores condições de trabalho, por exemplo mais computadores nas escolas para se deixar de levar trabalhinho para casa e agora surja esta solução milagrosa?! Com computadores vendidos a professores e a alunos o estado dá um sinal aos primeiros para deixarem de chatear e trabalharem em casa. Em vez de terem computadores nas escolas (pagos pelo estado), com acesso a internet (paga pelo estado), são seduzidos a comprar um e usarem-no em casa.". Quanto aos alunos, acabaram-se as desculpas para não navegarem na net e não executarem os trabalhos porpostos nas aulas com a desculpa de que "...a sala de computadores está sempre cheia.", isto quando existe alguma com computadores a funcionar em condições. Disse também que "é de estranhar que um governo que se diz socialista, mas que venera o neo-liberalismo e a economia de mercado adopte uma atitude monopolista e de favorecimento de uma determinada empresa (que por acaso é estatal) em detrimento das concorrentes, que até apresentam melhor serviço.". Falava do acesso à internet. "Não se compreende por que é que este terá de ser feito através da TMN. Faz lembrar os tempos em que os funcionários públicos eram obrigados a abrir conta na Caixa Geral de depósitos parta receber seu salário!"
Bem, para mim a conversa estava a ser um ganda seca e fui para o quarto. Às vezes não queria crescer para não ficar assim todo marado como os adultos.

Um comentário:

céu disse...

Excelente, retrato fidelíssimo!