terça-feira, 2 de setembro de 2008

Kinaxixi

Kinaxixi - Para quem não conhece, é o nome de uma praça e de um antigo e famoso mercado situado no centro de Luanda; foi demolido há alguns dias, apesar dos protestos de arquitectos em particular e sociedade civil em geral. Era um mercado emblemático, de grande valor arquitectónico e incontestável , uma referência e marca incontornável da identidade arquitectónica e cultural luandense.

Como muitos outros emblemáticos edifícios , este foi mais um que não resistiu à sede de extinção da história urbanística que o petróleo tem possibilitado.

Na mesma praça, no extremo oposto, existe um prédio de 19 andares; inacabado, sem água, sem luz; alberga muitas centenas de pessoas, que aí vivem, num estado de degradação humana que, por respeito, abstenho-me de pormenorizar.
Opta-se por demolir um edifício depois de escorraçar os seus utilizadores e do outro lado da rua perpetua-se um "espectáculo" e uma situação que poderia, caso houvesse vontade, ser extinta. É um bom exemplo da alteração de prioridades de "desenvolvimento" e do pouco valor da vida humana.

Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, considerado pelo compatriota Eduardo Agualusa um poeta medíocre, deixou-nos o seguinte poema:

Kinaxixi

Gostava de estar sentado
num banco do kinaxixi
às seis horas duma tarde muito quente
e ficar...

Alguém viria
talvez sentar-se
sentar-se ao meu lado

E veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo ausência no kimbundu mestiço
das conversas

Veria os passos fatigados
dos servos de pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além uma embriaguês em cada álcool
Nem felicidade nem ódio

Depois do sol posto
acenderiam as luzes
e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar.

Em 2012 nascerão do entulho, um centro comercial e duas torres de 20 andares.
Qualquer um poderá continuar a sentar-se num banco de jardim do Kinaxixi, mas não mais voltará a admirar o velho mercado, a não ser de olhos bem fechados!

Um comentário:

Anônimo disse...

Conheço Bem esta praça, acho que desde que nasci até aos 10 anos de idade(1965-1975).Quando terminei o 1º ano do Ciclo preparatório já em Portugal, a minha professora de português escolheu-me para declamar um poema tinha eu 11 anos e li esse poema do Agostinho Neto, de um livro que ainda hoje está em casa da minha mãe chamado "Sagrada Esperança"
Abraço.