sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Fiel amigo?

Uma relação de fidelidade pressupõe honestidade e reciprocidade de afectos, dedicação, compromisso, mesmo quando entre seres desiguais em inteligência, capacidade de entendimento e de defesa. Não creio que seja o que acontece com os dois animais que habitualmente designamos por fiéis amigos: bacalhau e cão!

No caso do bacalhau a "fidelidade" que nos dedica e o "amor" que nos inspira está a levar à sua extinção. Já se tornou habitual encontrar à venda bacalhau jovem que ainda não se reproduziu, o que seria uma parte da garantia de perpetuação da espécie e da manutenção de uma actividade piscatória sustentável. É quase um "bacalhau leitão", mas sem as vantagens deste quanto à sua maciez e tenrice (se a expressão não existir, digam-me!); é apenas uma questão comercial e de ganância. Tal como com a sardinha, não deveriam existir restrições que só permitissem a captura a partir de determinado tamanho? qualquer dia (e não faltará muito para isso), quando estiver extinto, apenas poderemos falar dos bons velhos tempos em que se comia bacalhau!

O pássaro Dodó, também conhecido por Donte, que habitava as ilhas Maurícias, no oceano Índico, foi extinto em pouco menos de um século. Foi baptizado por nós e o seu nome deriva da palavra doido, doudo, que deu em Dodó, por não recearem a proximidade e presença do homem. Confiaram naquele ser bípede que a seguir a um sorriso abatia-os com uma paulada na tola e foi o que se viu! Fonte de cerca de 16Kg de carne, desapareceu da face da Terra em finais do séc. XVII. Será que os portugueses, os maiores comedores de bacalhau per capita do mundo se preparam para mais uma extinção?

Em relação ao cão, o título também é desajustado. Não se percebe como se pode dizer que se adora um animal e depois se fecha o dito em casa, num apartamento de manhã até à noite! Claro que a apregoada fidelidade do bicho não passa de uma incapacidade de avaliação das suas necessidades confrontando-as com as condições de vida de que desfruta, o que o faz estar sempre à espera da chegada do dono pródigo que o leve até ao passeio para poder correr um pouco e fazer xixi nas árvores e postes, dando largas à sua natureza e aos seus instintos. A relação é de dependência e não é de preenchimento recíproco. Usamos os cães por vaidade, intimidação, necessidade de companhia, numa perspectiva utilitária. Não digo que não se desenvolvam laços de afecto e ternura por eles, mas não são comuns os donos (pois é, o termo diz tudo), que pensam em proporcionar verdadeiras e dignas condições de vida aos seus canídeos. E quando atrapalham, é vê-los abandonados pelas ruas das cidades, caçados pelos canis onde são mantidos em jaulas à espera de um benevolente adoptante ou simplesmente abatidos.

Fiel amigo é o gato! Não está sempre aos pulos à nossa volta, à espera que o levemos à rua para se expressar enquanto animal irracional que (se diz que) é! Quando tem de lamber alguma coisa, lambe o próprio pêlo e não as nossas calças! Não é negativamente altruísta e preserva-se com cuidados do corpo e em manifestações de auto-estima que rivalizam com o mais dedicado metrossexual. Muitos deles também são prisioneiros, mas não de espírito. Podem conviver durante anos connosco, mas não se tornam subservientes, mantêm a sua independência e acima de tudo só fazem o que querem. Com eles sim, há uma relação de fidelidade, porque pelas suas reacções depreende-se que detestam faltas de respeito e maus tratos. São menos necessitados quanto ao convívio, mas mais exigentes quanto ao tratamento que recebem e fazem seu o espaço em que vivem, numa situação de verdadeira partilha. Quando têm necessidades são criativos! Não há árvores para afiar as unhas? Não faz mal, os sofás e as cortinas servem perfeitamente!

Para que haja fidelidade tem de haver respeito. Para existir harmonia tem de se investir na compreensão do que são as caracteríticas e necessidades do outro, seja humano ou não.
Alguém disse que se pode medir o grau de desenvolvimento de uma nação pela forma como trata os seus animais. Não poderia estar mais de acordo!

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