quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Ser ou não ser (alto), eis a questão

Quando nasci o médico vaticinou que iria ser alto... e não se enganou! Do alto do meu 1,89m, não me posso queixar, até na Holanda sou considerado como tal! Essa profecia (ainda que baseada em dados científicos, não em qualquer conclusão "nostradâmica"), foi proferida como se de um privilégio, uma bênção se tratasse!

O problema é que ao longo da vida fui sofrendo, qual patinho feio, à custa de estar mais acima do que quem me rodeava e de crescer mais depressa! Entrei para a primeira classe com 5 anos, como todas as crianças naquela altura, mas a estatura acima da média sempre me causou dissabores: parecia mais velho e chamavam-me burro e cábula porque confundiam-me com um repetente daqueles que já ouviu tantas vezes o que a professora diz, que até poderia dar aulas; em tempos de crise, de guerra e de falta de tudo e mais alguma coisa, os sapatos tinham de ser cortados à frente à navalha para que os dedos apertados pudessem esticar-se como quem adormece no sofá apertado, acorda de manhã todo contorcido e se espreguiça para esticar as vértebras; no futebol nunca era aceite pelo adversário da minha turma porque aqui o "matulão" aguentava mais e melhor as cargas dos opositores; tinha de me sentar sempre no fundo da sala porque assim ninguém reclamava que não via o quadro por eu estar a tapar tudo.

Ao longo da infância e da juventude fui coleccionando recordações dos embaraços que a minha altura causava. Com 12 anos numa primeira abordagem era alvo de interesse das miúdas mais velhas e da mesma altura, mas não tinha traquejo e toda a gente namorava e eu ficava sempre para amigo porque era infantil. Como não há mal que sempre dure, lá consegui o primeiro beijo aos quinze, mas namorada a sério só 15 dias antes dos 18 anos, já depois de estar a viver cá. Aí pensei que as coisas iriam mudar, mas não! No cinema havia sempre alguém que comentava entre alguma tosse e azedume que "tinha logo de vir parta aqui esta girafa", quando me sentava à frente de alguém mais pequeno. Tal designação não é desprovida de sentido; afinal foi essa a alcunha que carinhosamente recebi nas aulas de Lingugem Gestual Portuguesa onde não se soletra o nome das pessoas por ser demorado e se arranja um substituto verbal mais fácil de interpretar!

Uma vez alguém até me pediu para me afundar um pouco na cadeira para que pudesse ler as legendas e eu respondi-lhe que se quisesse poderia mudar de lugar ou teria de esperar que desatarraxasse a cabeça e colocasse no colo!

Lembro-me de uma vez em que vi na montra um par de sapatos pretos, que me encheram as medidas. Depois de muitas vitrinas de sapatarias tinha encontrado o que queria. Entrei e apontando para eles perguntei ao (baixinho) funcionário se tinha um par do tal modelo, tamanho 45!... Sem que o sorriso de profissional rodado e manhoso se desvanecesse, o empregado desapareceu, depois de um "É só um momento!", para regressar vinte ou trinta segundos depois com uma caixa debaixo do braço e um sorriso ainda maior! Convidou-me a sentar, ajoelhou-se enquanto abria a embalagem e olhando-me de frente disse: "Não tenho nenhum modelo tamanho 45, só este par! São uns belos sapatos brancos que lhe iriam calçar muito bem!" Fizeram-me lembrar o John Travolta no filme "Saturday Nigth Fever" ou aqueles chulos americanos que pela exuberância e cor, dão mais nas vistas do que as paradas gay! Agradeci e disse que não eram o meu estilo. Para além disso estávamos em pleno inverno e uns sapatinhos brancos nessa estação afugentaria mais gente de mim do que portugueses de pagar impostos.


Entretanto a faculdade foi-me transformando em cisne e a altura começou a fazer furor entre as colegas. Nas discotecas era facilmente visto e identificado, nos concertos conseguia ver o espectáculo em vez de muitos que apenas viam ombros e cabeças. Consegui pisar durante alguns anos várias passerelles deste país à conta de um convite para ingressar na carreira de manequim! A porta de um bar chegou a ser o meu posto de trabalho. Foram tempos fantásticos de crescimento do ego e da autoconfiança! Entretanto não há homem namoradeiro que não dê em casadoiro e dei o nó! Até aí houve problemas: a cama foi mais cara (aproveitadores) porque tinha medidas "King Size", para não falar no colchão e nos lençóis, que tiveram de ser encomendados!

Hoje ainda sou alvo de elogios por causa da altura (e da elegância atlética, do alto dos tais 1, 89m e 82kg de peso), mas continua a haver sempre o lado negro da questão: ainda não percebi por que é que os cabos das vassouras são tão curtos! Será que não poderiam vendê-las de várias medidas como acontece com as calças? Cada vez que uma vassoura ou a prima esfregona me pisca o olho e me convida a fazer umas festas ao soalho fico com uma dor nas cruzes que não aguento! Eu bem queria ser um bom cidadão do mundo e contribuir para a diminuição da poluição e do Efeito de Estufa, mas com o querem que compre um citadino económico e menos poluente se depois vou lá dentro todo retorcido que nem faquir por causa da falta de espaço? No ginásio adorava praticar hidroginástica, mas desisti porque para que a aula resultasse tinha de ficar de joelhos e atrofiar as pernas ou os braços ficariam fora de água! Não me considero cota, até me visto de forma "casual", informal, mas continuo a ter dificuldade em encontrar sapatos que sirvam, calças que não pareçam corsários de tão curtas que ficam e casacos que não precisem de ser reduzidos no perímetro porque para que assentem bem nos braços têm de ser sempre XL e ter espaço para mim, mais um saco de batatas de 20kg! No cinema não tenho hipótese: se quero estar um pouco à vontade vou à sessão das sete ou então escolho uma cadeira na coxia para poder manobrar-me mais facilmente e não ter aquela sensação de abafo.

Quando tentam adivinhar o que faço,são muitos os que falham, já que fisicamente acham que me assenta muito bem o título de professor de Educação Física que não sou! No ginásio (desculpem, no Health Club) as aulas de Yôga, onde em parte me realizo (e onde sempre me recusei a ficar atrás), até já passei por professor porque a altura servia de justificação para fazer a aula ao lado do instrutor, para não tapar a vista a ninguém! Persiste um outro engraçadinho que pergunta como vai o tempo cá em cima!...

Para viajar de avião já percebi que é uma grande ajuda marcar o lugar com antecedência, o que muita gente não sabe ser possível e pedir um qualquer da fila da saída de emergência. É a única hipótese de não ter de aplicar os exercícios de flexibilidade treinados no Yôga por ter o parceiro da frente com o encosto da cadeira inclinado! Mesmo nas viagens curtas ainda não percebi por que é que nos aviões os passageiros têm de dormir assim! Nos comboios tal não é possível e até tem muito mais piada porque quem adormece não tem posição e está sempre a deixar cair a cabeça, o que diverte os acordados (voluntários ou não) e ajuda a passar o tempo!

Recordo a "visita" que fiz ao hospital para retirar a hérnia muscular que o exercício de abdominais me ofereceu. Apesar dos sorrisos e das cócegas das enfermeiras não gostei nada de ter os pés fora da maca e fora do lençol. Na sala de operações, meio adormecido, meio acordado ainda tive discernimento para desejar um edredão de penas a fim de sobreviver àquele frigorífico. Como me lembrei do João Garcia e do amigo Tozé nos Himalaias a escalar o Kanchenjunga!

Bem, acho que vou é parar por aqui! Depois de escrever este longo texto inclinado sobre o teclado ainda passo a ter marreca e depois não há homem alto nem elogios! Apesar de tudo gosto de ser assim. Tal como às sogras, habituamo-nos às maleitas e às cruzes que carregamos ao longo da vida, mesmo que nos tragam mais benefícios do que imaginamos porque haverá sempre quem seja capaz de valorizar os centímetros a mais que nós (os altos) temos por não ser como nós e nunca poder vir a ser! E com razão se pensa assim, pois eu não trocaria as desvantagens de ser "estaca" pelas vantagens de ser "meia-leca", ai isso é que não!...

4 comentários:

Anônimo disse...

eheheheheh
Grande amigo, como se costuma dizer, eu admiro e invejo a tua verticalidade :-) ehehehehehhehehe
Porque vendo bem, a tua altura iria adelgaçar os meus quilinhos a mais e ficaria finalmente uma das personagens do filme "300".
Mas de resto, paciencia :-) Ficam os momentos de convivio com os amigos, familia, serões a ver séries em dvd´s :-)
E que tal um leitãozinho de vez em quando???? Se mete petisco, contem comigo!!!!!!
Aqui fica um grande abraço para o menino casodoiro :-) E bem casadoiro :-)

Anônimo disse...

Paulo,há muita gente que, ainda que mais alta que tu, nem aos teus calcanhares chega. Ainda dizem que os homens não se medem aos palmos. Ai não que não medem.

Anônimo disse...

A tua altura é proporcionalmente comparável à qualidade dos teus escritos e merece os mais rasgados encómios !
Quanto ao resto... smile through your feels and sorrows, smile, and maybe tomorrow ...

W. C. Fields disse...

Fique o meu bom amigo sabendo que:

1 - Faltam-me alguns centímetros para ter a sua altura, mas em compensação peso muito mais.

2 - Pode ter trabalhado como porteiro, mas eu levei arraiais de porrada em vários ringues de Portugal e arredores.

3 - Eu nunca fui modelo profissional, mas não foi por isso que as mulheres alguma vez deixaram de olhar para mim. E algumas até ficam impressionadas...

Ora pois!